Geografia
Fiasco na COP-15 acirra conflitos
Atraso em acordo contra efeito estufa deixa vácuo legal em floresta alvo de projetos ambientais
A falha da COP-15 (a conferência do clima de Copenhague, em dezembro) em produzir um tratado com força legal pode contribuir para aumento da violência, corrupção e especulação fundiária em áreas de floresta. Segundo um novo estudo, as lacunas jurídicas deixadas pelo fiasco nas negociações para redução de gases do efeito estufa dão margem a uma disputa pelo dinheiro destinado a projetos ambientais.
O trabalho foi apresentado na sexta-feira (22/1) em Londres pela RRI (Iniciativa para Direitos e Recurso, sigla em inglês), grupo de entidades ambientalistas. A ONG diz que o dinheiro a ser disputado inclui sobretudo os US$ 3,5 bilhões anunciados para projetos do tipo Redd (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal).
Segundo o estudo, a indefinição da conferência quanto à regulamentação formal dessas iniciativas -basicamente, uma compensação financeira para preservação de florestas- aumentaria a pressão sobre áreas verdes. O carbono contido nas árvores elevará o valor de áreas florestadas e despertaria o interesse de pela posse dessas terras, levando a conflitos.
Nesse contexto, afirma o relatório, desvios de recursos e grilagem serão comuns. Os conflitos, além de limitarem a redução das emissões, ameaçam sobretudo os povos que vivem nas florestas tropicais.
"As florestas serão retalhadas, controladas e usadas como instrumento de barganha política como nunca antes", disse Jeffrey Hatcher, analista político da RRI, em comunicado à imprensa. Segundo a ONG os países que mais sofrerão com o problema são aqueles onde as instituições legais não estão fortalecidas, como o Congo.
A presença de recursos minerais valiosos em áreas indígenas torna as florestas brasileiras as mais ameaçadas da América do Sul, diz Augusta Molnar, da RRI. Para ela, além dos recursos minerais, também estão em jogo os créditos de carbono -espécie de moeda ambiental que pode ser emitida por projetos que reduzem as emissões.
"Apesar de o governo brasileiro ter feito muitos avanços na regulação dos recursos das florestas, ainda há pontos que causam muita preocupação", disse a pesquisadora à Folha.
O documento destaca como ponto positivo a demarcação, em março do ano passado, de terras contínuas da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, em Roraima. A ONG sugere que índios de outras reservas, como os Suruí, de Rondônia, possam deter os créditos de carbono atrelados a suas terras.
Para o pesquisador Britaldo Soares Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, os programas de Redd já são realidade no país. Por isso, a indefinição de Copenhague não afetará tanto o país."Na prática, mesmo sem um marco legal como o MDL [Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, do protocolo de Kyoto] eles já estão acontecendo", afirma. Ele avalia que isso "atrasa, mas não compromete" o resultado.
Sarkozy quer que 28 países guiem tratado
Os planos da ONU de fragmentar a negociação do novo tratado para redução de emissões de CO2 ganhou eco ontem com o presidente da França, Nicolas Sarkozy. Segundo ele, o acordo deve ser guiado por um grupo de apenas 28 países. Seriam os que causam maior impacto e os mais impactados pelo aquecimento global.
"A principal lição que aprendemos em Copenhague é que você não pode negociar isso em uma rodada com 192 [países]", disse Sarkozy ontem, em discurso para diplomatas.
O documento emitido na conferência do clima da Dinamarca, em dezembro, foi rejeitado pela maioria dos países, e corre o risco de acabar desacreditado mesmo entre países que o acataram. Segundo a ONU, a maioria dos governos está ignorando o prazo de 31 de janeiro, que tinha sido sugerido para a entrega de novas propostas de cortes de emissão.
(Giuliana Miranda, Folha de SP, 23/1)
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