Gerald Traufetter
Pesquisa recente mostra que o derretimento dos icebergs no oceano ao redor da Antártida pode na verdade desacelerar o aquecimento global. As partículas de ferro que eles contêm alimentam as algas que absorvem o CO2. Poderia o cultivo artificial de algas nas águas frígidas ajudar a combater a mudança climática?
A pesca era fria e sem vida, sem nenhum peixe se debatendo na rede. Quando foi colocada no convés do HMS Endurance no Atlântico Sul, além da costa da Antártida, o único som foi um rangido abafado.
Então os pesquisadores polares pegaram marretas e começaram a trabalhar na pesca, um bloco de gelo medindo mais de 10 metros de comprimento. Eles lascaram o gelo até chegarem profundamente em seu interior, onde fizeram uma descoberta empolgante.
Sob um microscópio eletrônico, minúsculas partículas de ferro se tornaram visíveis. "Essas partículas medem apenas uma fração de milímetro", explicou o líder da equipe, Rob Raiswell, "mas elas têm grande importância para o clima global".
Um geoquímico da Universidade de Leeds, Raiswell partiu com navio quebra-gelo britânico Endurance visando investigar uma hipótese que há muito circula entre os pesquisadores polares. A idéia é de que os icebergs transportam minúsculas partículas de ferro dentro de sua massa congelada. À medida que os grandes pedaços de gelo derretem lentamente, eles liberam essas partículas no Oceano Sul. Lá, segundo a conjectura, esses compostos de ferro têm um efeito incrível, fertilizando as águas ao redor da Antártida.
Afundando o CO2 no fundo do oceano
O oceano que cerca o continente gelado é cheio de nutrientes como o nitrogênio. O único elemento que falta para estimular a formação de plânctons é o ferro. Até agora, o vento era a única fonte comprovada de ferro no Oceano Sul, soprando o óxido de ferro muito necessário e outros óxidos metálicos dos desertos dos continentes do Hemisfério Sul. Mas as quantidades transportadas por este método são minúsculas.
"Esta é a primeira vez que conseguimos comprovar a presença dos elementos em icebergs", explicou Raiswell. Com sua descoberta além da costa da Península Antártica, os cientistas revelaram um mecanismo poderoso que opera sob as ondas há milhões de anos: os icebergs fertilizam o oceano ao redor do Pólo Sul com partículas microscópicas contendo ferro. As algas podem florescer, e por sua vez elas absorvem o dióxido de carbono do efeito estufa da atmosfera da Terra via fotossíntese. Algumas das algas então afundam para o solo do oceano.
"Isso ajuda a desacelerar o aquecimento global", disse Raiswell. O pesquisador calculou a quantidade aproximada de CO2 eliminado por meio deste processo. Os icebergs, ele calcula, despejam atualmente 120 mil toneladas de ferro no Oceano Sul, fazendo com que 2,6 bilhões de toneladas de CO2 sejam removidos da atmosfera. A quantidade imensa corresponde aos gases do efeito estufa emitidos pelas chaminés das usinas elétricas, chaminés domésticas e escapamentos dos automóveis na Índia e Japão somados.
"A própria Terra parece querer nos salvar", prosseguiu Raiswell. Ele vê este processo de autocura como tendo potencial "significativo", apesar de "ser insuficiente" para deter o aquecimento global.
Fazendo as algas floresceremSegundo os cálculos de Raiswell, o efeito aumentará nas próximas décadas, à medida que mais e mais gelo se desprender das camadas de gelo por causa da elevação das temperaturas. Isto está acontecendo especialmente ao longo da Península Antártica, que está vendo um rápido aumento das temperaturas de 2,5º C nos últimos 50 anos. Para cada ponto percentual de aumento na quantidade de gelo que se desprende, um adicional de 26 milhões de toneladas de CO2 é removido da atmosfera.
Enquanto isso, o gelo está se deslocando para fora do interior do continente antártico mais rápido do que nunca, se arrastando pelo leito rochoso e recolhendo óxidos de ferro como a schwertmanita. O ferro desses minérios então permite que as algas do oceano floresçam em maior quantidade.
Mesmo assim, esta fertilização natural de ferro não se aproxima da exploração do potencial pleno do Oceano Sul, rico em nutrientes mas pobre em ferro, de seqüestrar CO2. A área deficiente em ferro cobre 50 milhões de quilômetros quadrados. Se toda esta área fosse fertilizada artificialmente como vários milhões de toneladas de óxido de ferro, o oceano poderia remover 3,5 gigatoneladas de dióxido de carbono da atmosfera. Isso representa um oitavo das emissões anuais produzidas pela queima de petróleo, gás e carvão.
Entre os cientistas e ambientalistas, há muito está em desenvolvimento um plano para fertilizar o oceano ao redor da Antártida com sulfato de ferro, usando grandes navios-tanque. O plano é controverso, já que os ambientalistas temem que tamanha geoengenharia poderia causar um desequilíbrio do ecossistema. A oceanógrafa americana Mary Silver até mesmo previu a proliferação em grande escala de algas venenosas. Por este motivo, a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica, em maio de 2008, pediu a moratória desses planos, pelo menos até que maiores resultados científicos estejam disponíveis.
Um novo projeto agora busca preencher esta lacuna de conhecimento. O navio quebra-gelo de pesquisa alemão, Polarstern, partirá da Cidade do Cabo para a Antártida no início de janeiro. O líder do projeto é Victor Smetacek, do Instituto Alfred Wegener para Pesquisa Polar e Marinha (AWI). Uma equipe indiana-alemã de 49 pessoas o acompanhará.
Manipulação do planeta
O plano é criar um florescimento artificial de plâncton ao norte da ilha de Geórgia do Sul usando várias toneladas de sulfato de ferro. "Será o maior florescimento produzido até hoje", disse Smetacek. Tão grande, de fato, que será possível vê-lo do espaço com satélites especiais, e atrairá grandes quantidades de krills do sul.
Smetacek planeja fazer um grande esforço metrológico para investigar quanta alga de fato afunda para o fundo do oceano. Para isso, ele se concentrará em uma espécie particular de alga que cresce ao longo da costa. Os esporos desta espécie são revestidos por uma concha de dióxido de silício e também incorporam o dióxido de carbono em suas partes orgânicas internas. Quando os esporos afundam na água, mesmo os peixes dificilmente conseguem digeri-los. "Logo, o gás do efeito estufa certamente permanecerá fora da atmosfera da Terra por várias centenas de anos", explicou Smetacek.
Ele também sugeriu a criação de uma autoridade nas Nações Unidas para supervisionar futuros projetos de fertilização com ferro realizados para salvar o clima. O pesquisador não quer deixar este assunto nas mãos da iniciativa privada, permitindo que empresas simplesmente comprem sua isenção de outras obrigações relacionadas ao clima com um navio-tanque cheio de sulfato de ferro. "A questão é complexa demais para não ser supervisionada por cientistas", ele disse.
Para os críticos que chamam isto de uma manipulação excessiva do funcionamento natural do planeta, Smetacek responde: "As objeções deles desaparecerão quando nossa impotência diante da mudança climática ficar aparente".
DER SPIEGEL
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