Egito: Uma revolução em curso
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Egito: Uma revolução em curso


Os ventos da revolução ainda sopram no Cairo
As conversas com trabalhadores e ativistas deixaram claro que os ventos da revolução ainda sopram no Egito. O processo que se iniciou em 25 de janeiro continua apresentando, a todo momento, a disjuntiva revolução ou contrarrevolução.
A cidade respira revolução. O Cairo tem 7,9 milhões de habitantes e dois milhões estavam na Praça Tahir no desfecho dos grandes acontecimentos de fevereiro. Observando os números é fácil entender: a consciência de que a revolução foi feita pela força de milhões nas ruas é amplamente majoritária. O taxista, o porteiro, o operário, o estudante, a jovem desempregada..., todos estiveram na praça, viram o poder das massas em movimento, sabem que, após o dia 25 de janeiro, o país não é o mesmo. Ao perguntar a Ahmed, um jovem taxista, o que mudou depois da queda de Mubarak, ele respondeu categoricamente: “Tudo.
A juventude na vanguarda
Nesses dias, completou um ano do dia em que Khaled Said, um jovem de classe média, foi detido, torturado e assassinado pela polícia da ditadura de Mubarak. Toda a população se comoveu com esta terrível injustiça, pensando que poderiam ter sido eles ou seu próprio filho. Transformou-se em um grande símbolo da luta e, em 2010, milhares saíram às ruas com sua foto: “Somos todos Khaled Said.
Conversamos com muitos jovens, os protagonistas da revolução. Quase todos já foram presos ou têm alguma história para contar da repressão que sofreram na época de Mubarak. Muitos têm, inclusive, algum amigo que foi morto. Quando entramos na Universidade Americana do Cairo, visitamos uma exposição com as fotos dos estudantes que morreram durante a revolução.
Conseguimos fazer uma reunião com representantes do Movimento 6 de Abril que, embora não tenha um programa socialista nem uma estratégia clara de poder, teve um papel central na revolução. São jovens que, em 2006, organizaram-se a partir de uma greve de operários de Mahallah, no norte do Egito, quando estes tomaram as fábricas. Esses jovens, muitos deles estudantes, identificaram-se com a luta dos trabalhadores e perceberam sua importância para enfrentar a ditadura. Começaram a ter uma maior projeção em 2007, com uma grande audiência conquistada pela internet.
A revolução
Deram-nos um relato muito bonito sobre a revolução: “Depois do levante na Tunísia, que derrubou Ben Ali, combinado com o enorme repúdio (um verdadeiro ódio) da população à polícia de Mubarak, amanheceu o dia 25 de janeiro. A partir dessas duas condições, uma reunião no Sindicato dos Engenheiros convocou um ato para o dia 25 de janeiro, tradicionalmente um dia de comemoração institucional da polícia egípcia. No entanto, quando fizemos esse chamado, não tínhamos ideia de como essa data ficaria marcada na história.
A manifestação foi um sucesso e, em vários pontos da cidade, reuniram-se milhares e milhares de trabalhadores e jovens, que foram se juntando aos poucos. A marcha cantava: ‘Venham, venham, juntem-se com suas famílias a nós’. Enquanto isso, a polícia aumentava sua violência contra os manifestantes e os que estavam assistindo. Mas provocava o efeito inverso: mais pessoas saíram às ruas.” Chegavam notícias de outras cidades do Egito: também estavam ocupando praças e ruas, o que gerava mais confiança para resistir.
‘OK, já temos uma revolução. O que deveríamos fazer?’, pensávamos. Meio milhão de pessoas ocupava a praça, e não parava de chegar gente, como parte de um mesmo movimento nacional, cada vez mais confiante de que só pararia quando Mubarak caísse”. Não havia outra coisa a concluir: estavam diante de uma revolução.
A repressão intensificou-se muito. Prenderam milhares de manifestantes e mataram alguns. Isso só produziu mais abnegação e disposição para lutar até o fim. Além disso, o sentimento de igualdade crescia entre os presentes. Homens e mulheres, muçulmanos e cristãos, jovens e mais velhos, todos juntos eram iguais e revolucionários.
Havia começado a auto-organização das massas. Formavam-se comissões para garantir a segurança, a alimentação e a limpeza. Eram milhões que, em uma harmonia inexplicável, viviam naquele momento o que buscavam construir para o futuro de seu país. “A praça era o lugar mais perfeito do mundo naquele momento”, disse-nos um dirigente.
Mubarak tentava desmoralizá-los, dizendo que era um movimento isolado na Praça Tahrir e que se reduzia aos jovens. Fez terríveis ameaças, cancelou a internet em todo o país para evitar a comunicação pelas redes sociais. Neste momento, discutiram a necessidade de expandir a revolução aos trabalhadores. E isso foi decisivo. As tentativas de Mubarak de isolar a revolução na Praça Tahrir não deram resultado: trabalhadores das fábricas e empresas entraram em greve, como nos três dias de paralisação do Canal de Suez, tão importante economicamente para o imperialismo. A revolução só se fortaleceu, até que, em 11 de fevereiro de 2011, Mubarak caiu.
As novas tarefas
Um jovem ativista nos perguntou sobre a experiência brasileira, apresentando assim o problema: “Todos nós temos menos de 30 anos, ninguém nunca militou antes da ditadura de Mubarak. Não sabemos como é militar abertamente.
Um amplo processo de reorganização política e sindical está em curso. As greves se espalharam pelo país, nas universidades há um amplo processo de mobilização contra as direções e administrações locais, os ativistas discutem a formação de sindicatos, associações estudantis independentes e partidos políticos.
No entanto, inclusive do ponto de vista democrático, ainda há muitas tarefas inconclusas. O exército comanda o país, a mesma polícia ainda está nas ruas, os funcionários do antigo regime não foram punidos, as novas regras exigem a quantia de 160 mil dólares para montar um partido etc.
O desemprego, a miséria e a pobreza continuam
Ao ser questionado sobre as condições de vida, aquele taxista afirmou: “Ah! Isso continua tudo igual”. As condições estruturais que levaram à revolução não mudaram: a crise econômica, a inflação dos alimentos, o desemprego e a pobreza.
Um ativista expressou bem a indignação da população: “Você entende isso? Um quilo de carne aqui custa 15 dólares. Milhares de egípcios não conhecem o gosto da carne”.
A mudança nas condições de vida da população, e inclusive os avanços das conquistas democráticas, dependem da ruptura com o imperialismo e tropeçam nos limites do capitalismo na região. Demonstrando sua total subordinação ao imperialismo, o governo militar assinou recentemente um acordo com o FMI, que prevê um empréstimo de três bilhões de dólares. Supostamente uma “ajuda” para “garantir a transição para a democracia e a liberdade”.
Na realidade, o empréstimo está condicionado a que o novo governo mantenha o Egito sob as pautas neoliberais e em consonância com a receita do FMI, com medidas como privatizações, abertura ao investimento estrangeiro e o livre trânsito dos capitais.
A juventude continua lutando contra o autoritarismo do governo
Desde o dia 25 de janeiro, as sextas-feiras transformaram-se em um dia de protestos. Em atos maiores ou menores, a praça nunca mais esteve vazia. São jovens trabalhadores, desempregados, muitos recém-formados nas universidades, que não tinham nenhuma perspectiva de futuro. O governo da Junta Militar trata de controlar e, se necessário, reprimir o movimento. Mas se enfrenta com toda uma geração de ativistas que se formou nesta revolução. O governo reprimiu uma marcha em apoio aos palestinos que se dirigia à fronteira com Gaza na data da Nakba.
O exército, a instituição mais forte do novo regime, continua cometendo todo tipo de abusos e se envolveu em um escândalo recentemente. Um oficial militar afirmou que faziam um “teste de virgindade” nas mulheres ativistas que eram detidas nos protestos da Praça Tahrir, para garantir que, depois, não os acusassem de estupro. Uma verdadeira agressão às mulheres, que gerou comoção entre a população.
Os jovens avançaram muito em sua organização, inclusive nos bairros e junto com os trabalhadores. Nas universidades, estão realizando, pela primeira vez na história do Egito, eleições livres dos centros universitários, sindicatos de professores e de empregados. Notamos que existe entre eles uma grande desconfiança em relação ao atual regime, governado pelos militares.
Há poucos dias, um jornal publicou um artigo expressando a possibilidade de Mubarak ser libertado sem um julgamento. Houve uma grande reação da população, indignada, e depois o governo deu uma declaração, dizendo que a culpa era exclusivamente do jornal e que, a partir daquele momento, para a publicação de cada artigo, seria necessária sua aprovação. Ainda temem a força das massas e, em especial, a abnegação e radicalização da juventude egípcia.
A contradição: as massas ainda confiam no governo da junta militar
A grande contradição é que a maioria da população tem ilusões no atual governo. O Conselho Superior das Forças Armadas afirma ser parte da revolução de 25 de janeiro, quando, na realidade, é parte da contrarrevolução. Apoiaram o regime até o último instante e só saíram ante a intransigência das massas, quando já era inevitável mudar para manter a ordem social. Mas isso não ficou claro para todos: as forças armadas têm muito prestígio no país. Inclusive, devido a sua própria crise diante da revolução, atravessaram o processo sem se dividir, porque, ainda que tenham sido coniventes e deixado a polícia entrar para reprimir, suas tropas não reprimiram diretamente os protestos.
Foi a polícia que atacou abertamente e disparou contra os manifestantes. Por isso, a polícia ficou mal vista, teve que abandonar a praça e foi formalmente dissolvida depois da queda de Mubarak, ainda que seus quadros tenham sido realocados em outras tarefas e continuem fazendo parte do esquema repressivo.
Por isso, a situação do país é complexa: há uma enorme confusão na consciência dos trabalhadores sobre o atual governo liderado pelas forças armadas, e uma grande dúvida de como será o futuro. Mas, segundo os jovens com quem conversamos, o povo tem uma noção clara de que a revolução foi feita pelos trabalhadores e pelo povo, e não pelos militares, ainda que esperem que o exército faça a transição para uma democracia e uma mudança no país.
O recente referendo sobre as reformas na Constituição propostas pelo governo era uma forma de canalizar a revolução para pequenas mudanças constitucionais que dessem a ilusão de que há uma verdadeira mudança em suas vidas. O Movimento 6 de Abril defendeu o voto pelo NÃO. Disseram-nos que a grande maioria dos jovens votou NÃO, especialmente no Cairo. As regiões do interior, que foram menos atingidas pela revolução e recebem mais a propaganda ideológica feita pelo Exército, acabaram garantindo o resultado de 77% para o SIM.
“Revolução no Egito: Sim ou Não?”
A experiência da juventude que participou das mobilizações é mais avançada. Por exemplo, conhecemos um jovem que escrevia em um muro em frente à Praça Tahrir: “Revolução no Egito: Sim ou Não?.
Quando lhe perguntamos o significado, falou da indignação com os problemas sociais do país e com o governo militar. Querida dizer com isso que a revolução no Egito não chegou a seu fim, que não podemos comemorar tanto, já que as bandeiras levantadas na Praça Tahrir ainda não foram conquistadas. Criticou muito o atual governo, e disse que as condições de vida da população não mudaram. Lamentou que as mobilizações não se mantenham com a mesma força, mas demonstrou ter esperança de que continuem lutando pelas reivindicações econômicas e sociais, além das democráticas. Era um arquiteto recém-formado, desempregado. Ele era a cara da revolução. A crítica ao governo foi um tema recorrente nas conversas com os jovens: é possível dizer que a juventude olha com mais desconfiança o Conselho Superior das Forças Armadas.
A vanguarda jovem da revolução não se sente representada pelas figuras que dirigem o país. Na sexta-feira, 27 de maio, várias organizações juvenis, encabeçadas pelo Movimento 6 de Abril, chamaram um dia de mobilizações. Aproximadamente 500 mil pessoas participaram do maior ato desde a revolução. A principal exigência era o julgamento de Mubarak e a instalação imediata de um governo civil.
Foi uma grande mobilização, apesar do boicote da Irmandade Muçulmana que, coerente com seu papel de principal sustentáculo político do governo e do Conselho das Forças Armadas, posicionou-se contra os protestos.
O ato expressou que o processo revolucionário continua e que os trabalhadores, apesar de suas direções tradicionais, estão buscando caminhos e estão construindo suas próprias organizações independentes. O governo das forças armadas procura um meio de impedi-los. Os trabalhadores e a juventude egípcia, entretanto, têm consciência da profunda mudança que provocaram: Mubarak caiu. As massas entraram em cena e se impuseram com uma força impressionante. Quando os trabalhadores e a juventude se unem e se propõem a tarefa de mudar suas vidas, não há força que os detenha.
“Kadafi e Assad são ditadores”
Entre os ativistas egípcios, não há dúvidas de que a revolução iniciada em 25 de janeiro no Egito só foi possível graças à vitória conquistada na Tunísia, com a queda de Ben Ali. A consciência de que as mobilizações em todos os países (Egito, Síria, Líbia, Iêmen etc.) são partes de um único processo revolucionário no conjunto do mundo árabe é indiscutível.
Além disso, há uma evidente identificação entre o povo árabe e sua cultura. Essa identificação tem um aspecto político fundamental que se materializa no repúdio ao Estado de Israel. Especialmente entre os ativistas, mas inclusive em um setor mais amplo da população, há um enorme rechaço ao Estado de Israel e ao papel nefasto que cumpre em relação aos palestinos. Sabem que é um Estado completamente controlado e financiado pelo imperialismo e, por isso, as revoluções, necessariamente, têm um eixo contra Israel e o genocídio promovido contra os palestinos.
Portanto, a questão da Palestina, combinada com a consciência de que todas as mobilizações são parte de um mesmo processo, deixa muito claro que o papel cumprido por Kadafi e Assad, na Líbia e na Síria, é o mesmo dos outros ditadores do mundo árabe. Em todas as reuniões que fizemos no Egito, os ativistas deixavam muito claro que, para construir e fortalecer a revolução árabe, a luta deve ser contra esses ditadores e também contra o imperialismo.
“Chávez não está do nosso lado”
Como parte da compreensão do papel que Kadafi e Assad cumprem, os ativistas repudiam a posição de Chávez e Castro. Ainda que tenham uma referência nas revoluções da América Latina, a impressão que tivemos foi que a posição de apoio a Kadafi e Assad foi um verdadeiro divisor de águas para que hoje não tenham esperanças ou referências nesses governantes.
Em uma reunião, estávamos explicando o processo que a América Latina vive atualmente e perguntamos a um companheiro a sua posição sobre Chávez, e ele respondeu: “Está com Kadafi, não está do nosso lado”. Acreditamos que esta seja a posição majoritária entre os ativistas de esquerda no Egito.
Além do repúdio a esses ditadores, também não aceitam a intervenção militar imperialista, pois sabem que o interesse está nas riquezas naturais e na subjugação da Líbia. A partir dessa discussão, era muito simples explicar que Chávez e Castro não cumprem hoje nenhum papel para melhorar a condição de vida dos trabalhadores. Pelo contrário, também estão do lado do imperialismo.
Uma impressão que tivemos foi que um setor um pouco mais amplo que participou da revolução tem uma tendência a aceitar a intervenção do imperialismo, dizendo: “Os líbios são assassinados pelas tropas de Kadafi, é preciso apoiá-los”. No entanto, este posicionamento não vem acompanhado de uma confiança política no imperialismo. Pelo contrário. Pela relação que existe com o Estado de Israel, conhecem seus verdadeiros interesses, mas tendem a apoiar a intervenção militar porque temem pelo que pode acontecer com o povo líbio. Subestimam quanto essa intervenção imperialista pode ser prejudicial aos interesses da revolução. Mas nem passa pela cabeça de qualquer cidadão comum do Egito apoiar Kadafi. Por isso, a posição de Chávez e Castro não encontra nenhum apoio no país.
Tradução: Rosangela Botelho
Entre os dias 3 e 6 de junho, uma delegação de brasileiros participou, no Egito, da Conferência de Solidariedade à Revolução Árabe. Fizeram parte da delegação Dirceu Travesso, representando a CSP-Conlutas, Clara Saraiva, pela ANEL (Assembleia Nacional de Estudantes – Livre), e Glória Ferreira, pelo PSTU. Este texto é um relato feito pelas companheiras Clara e Glória sobre a situação no Egito.
Fonte: http://www.litci.org




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