Para pôr as respostas aos comentários em dia, aqui vão algumas considerações sobre um texto para lá de falseador que foi publicado pelo economista João Sicsú, que trabalhou no Ipea durante as gestões petistas, no site da revista Carta Capital (ver aqui). Esse link foi indicado por um leitor em comentário ao post Para citar Che Guevara, o qual me pediu para fazer uma avaliação do artigo. Vamos lá, então!
Bem, como o leitor mesmo já havia percebido, esse texto é "tendencioso" e "mascarado". Não surpreende que tenha sido publicado numa revista de credibilidade duvidosa. Afinal, por ter poucos leitores e espaço de propaganda muito pequeno, essa revista fica dependente de verbas publicitárias do governo Federal para continuar existindo. Entre seus colunistas, estão Mino Carta, que prima pelo jornalismo chapa branca desde a ditadura militar, e Delfim Netto, o dignitário da ditadura que virou "companheiro" depois que o malufismo naufragou. Figura ali, também, Luiz Nassif, cuja empresa, Dinheiro Vivo, foi à falência, mas pôde saldar dívidas graças a um empréstimo do BNDES. Não vou me alongar nesse ponto, mas indico três textos pertinentes ao assunto:
- Conferindo o texto "O mensalão da imprensa"
- Mino Carta é o Sarney do jornalismo
- Delfim Netto não virou companheiro só por conveniência
Imposturas
O conteúdo tendencioso do artigo é demonstrado facilmente quando se comparam as incoerências dos argumentos com a forma absolutamente coerente com que tais argumentos são úteis ao projeto de poder do PT. O autor começa dizendo que o Brasil viveu mudanças econômicas e sociais profundas sob os dez anos de poder petista, mas em nenhum momento indica quais foram as reformas estruturais que os governos Lula e Dilma teriam executado para produzir tanta transformação. E ele se omite quanto a isso por saber que o PT não realizou nenhuma reforma econômica ou social profunda, pois apenas deu continuidade ao que já vinha sendo feito nas gestões tucanas, a saber:
- A mesma política macroeconômica do segundo mandato de FHC (câmbio flutuante, metas de inflação e de superávit primário)
- Continuidade das políticas de transferência de renda instituídas em 2001, hoje incluídas no Bolsa Família
- Política fundiária idêntica, mas aplicada de um modo tão casuísta que fez aumentar a violência no campo (já tratei disso aqui, aqui e aqui)
- A mesma reforma da previdência (ver aqui)
- Privatização de serviços de infraestrutura
Justamente pelo fato de não ter havido mudança estrutural alguma é que os méritos que o autor atribui ao PT não pertencem a esse partido. Isso fica claro quando ele afirma que o PT teria inaugurado um "modelo de crescimento com geração de emprego e distribuição de renda". Na verdade, pesquisas realizadas pelo Ipea, com base nos dados da PNAD, revelam que a queda da desigualdade de renda teve início em 1995, acelerando-se a partir de 2001. No primeiro ano do governo Lula, 2003, a desigualdade caiu ao mesmo tempo em que houve aumento da pobreza, já que, nesse ano, a classe média perdeu mais ainda do que os pobres. No biênio 2004-2005, em que a pobreza voltou a diminuir, a desconcentração de renda perdeu velocidade em relação ao período anterior à chegada de Lula ao poder (Hoffman, 2006).
Em suma, é falso que os governos de Lula e Dilma tenham inaugurado um novo modelo de desenvolvimento e é falso que a redução da pobreza e da desigualdade sejam uma novidade trazida pelas gestões petistas. O que o PT faz é dar continuidade ao que já vinha de antes, mas com muita incompetência (volto a isso noutra postagem).
Nesse sentido, João Sicsú toca as raias do cinismo quando afirma que a oposição não tem projeto alternativo para o Brasil. Na verdade, quem não tem projeto é o PT, que apenas acomoda os interesses patrimonialistas e fisiológicos de seus militantes e da sua "base alugada" dentro dos limites dados pela política econômica herdada de FHC.
E é mais cinismo ainda afirmar que, por não ter projeto, a oposição tenta aumentar a rejeição à Lula e Dilma com denúncias de "corrupção, alianças espúrias (com velhos corruptos), incompetência, voluntarismo, autoritarismo, ingerência política em empresas estatais, enriquecimento ilícito, indicações políticas (e não técnicas) para cargos públicos, obras paralisadas, filas no SUS, desperdício de recursos públicos e possibilidade de racionamento de energia elétrica". Ora, uma vez que o PT governa com a agenda do PSDB, resta às oposições mostrar que esse partido não tem competência para executá-la e que os interesses que o PT representa também não são compatíveis com a construção de um Estado eficiente e democrático, o que fica bem evidenciado por todos esses descalabros que João Sicsú resumiu em poucas linhas. Eu não resumiria melhor...
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HOFFMAN, R. Queda da desigualdade da distribuição de renda no Brasil, de 1995 a 2005, e delimitação dos relativamente ricos em 2005. In: BARROS, R. P.; FOGUEL, M. N.; ULYSSEA, G. (org.). Desigualdade de renda no Brasil: uma análise da queda recente. Brasília: Ipea, v. 1, 2006.
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