Imagem do meu acervo particularA PÁSCOA, O NATAL E O IMAGINÁRIO INFANTIL
Marli Vieira de Oliveira
Por muitos anos, o imaginário infantil foi cultivado e cultuado em minha família, apesar da racionalidade imposta pelo meu esposo. Mesmo tendo a preocupação real de ensinar o verdadeiro significado das datas comemorativas, de minha parte, o imaginário infantil era incentivado, com contos e, inclusive, situações concretas que levassem a assegurar a veracidade das histórias.
Assim sendo, eduquei a minha filha... Com um pé na história real ? pelo menos como é aceitável como tal ? e o outro pé, na imaginação, no mundo mágico que proporciona um sentido lúdico aos fatos.
A Páscoa sempre fora uma data em que o imaginário era mais do que nunca imprevisível. Nada parecido ao escambo entre um dente por uma moeda e aos pedidos de brinquedos por meio de cartinhas, como aquelas destinadas ao Papai Noel.
O Domingo de Páscoa era aguardado com uma grande expectativa, não pelo valor comercial sempre imputado na festividade, mas pela curiosidade do ovo de chocolate que o coelhinho iria trazer e o esconderijo escolhido por ele.
Em todas as circunstâncias festivas, as situações eram por demais hilárias e, pode-se dizer, até absurdas sob uma análise racional dos fatos.
Era a troca do dente por uma moeda reluzente deixada embaixo do travesseiro... Reluzente de tanto que eu limpava com produto abrasivo, afinal, a moeda é um dos ?pontos-de-risco? de contaminação, ainda mais na cama de dormir.
A meia pendurada no móvel ou na janela para a chegada do Papai Noel... Mais absurdo ainda, pois a tradição da meia é na lareira e, ambas, não se encontram condizentes nem como acessório e construção, respectivamente, com em relação ao nosso clima quente, seja no verão (época do Natal) e muito menos durante o resto do ano. Trata-se da importação de ideias de clima temperado...
Além destes absurdos, dos quais tinha plena noção e, assim mesmo, alimentava anualmente o mundo imaginário da minha filha, as ocasiões mais conflitantes corresponderam quando a fantasia era posta em risco mediante a insurgência da verdade dos fatos. Fosse pela informação nas mídias, por um coleguinha da escola mais maduro ou por um adulto do tipo "espírito de porco? ou "estraga prazeres".
Quando não, a própria levantava as questões polêmicas, tais como, no caso da entrada do Coelho e do Papai Noel em casa, se as janelas e portas ficavam fechadas devido o risco de assalto. E para piorar, tanto o primeiro quanto o segundo apartamento em moramos ficavam no terceiro andar...
Como o Coelho entrava, se ele não vinha com nenhum meio de transporte especial do tipo as Renas do Papai Noel e, ainda, como ele e o Papai Noel conseguiam distribuir, respectivamente, todos os ovos e os brinquedos só no horário da madrugada.
A minha resposta era uma só, era a magia da Páscoa ou, então, do Natal.
Esta mesma resposta eu utilizava aos casos de descrença de alguns colegas de escola, os quais afirmaram a inexistência dos dois personagens principais.
Eu respondia que por eles não acreditarem, a magia não existia. E assim, ela continuou a acreditar nas minhas palavras e em toda a fantasia infantil nas comemorações da Páscoa e do Natal, sem esquecer das quedas dos dentes e sua fada, fiel pagadora.
Fui muito criticada por algumas colegas do trabalho, inclusive, por uma psicóloga por estar alimentando a fantasia da minha filha. Mas, eu não me importei...
Quando eu achei que era a época certa, escolhi a data e o local para revelar. Foi em janeiro de 2007, sentamos em uma lanchonete no Shopping Tijuca e - ao meio a uma xícara de café expresso pra mim e a um sundae pra ela - contei-lhe toda a verdade sobre o Natal, com base na história de São Nicolau, a fim de justificar a minha atitude perante a mentira.
Minha filha ficou em silêncio e só me respondeu ?tudo bem!?
Perguntei-a se estava chateada comigo, ela me respondeu que não e permaneceu em silêncio, saboreando o finalzinho do seu sundae com cobertura de chocolate.
Neste exato momento, eu percebi certo desapontamento por parte dela...
Passado alguns dias, o meu esposo puxou conversa a respeito e indagou, primeiramente, sobre o Papai Noel. Ela respondeu que eu havia conversado e que estava tudo bem.
Por minha falha, inclusive, passado despercebido no dia do Shopping e sem esperar, eis que ele fez a segunda pergunta:
- Ela também falou da fada do dente e do coelho?
Eu engoli seco, pois só falei do Papai Noel e havia me esquecido do "resto da turma".
Ela, sem responder ao pai, diante da tamanha surpresa, virou-se rapidamente para a minha direção e voltou-se para o pai, para só depois me questionar:
- O coelhinho e a fada do dente também?!
Eu, muito sem graça, respondi:
- Ah, filha, eu esqueci de lhe dizer, mas eles também não existem. Eles fazem parte do mundo imaginário.
Ela só nos respondeu, Ah, tá, tudo bem!
Eu posso até ter errado em creditar certa ilusão a minha filha, como muitos pais igualmente fizeram e ainda fazem, mas eu posso assegurar que ? em nenhum momento ? senti arrependimento ou considerei um absurdo a minha atitude.
Tanto é que ela, já um pouco mais velha, me confidenciou ? por ocasião da Páscoa - que se lembrava das diversas situações em que procurava os ovinhos do Coelhinho de Páscoa, os presentes do Papai Noel ou a moeda embaixo do travesseiro e que, agora, sentia saudades...
- Era muito legal ficar na expectativa...
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