A crise do sistema capitalista tem colocado na ordem do dia a questão da transição ao socialismo. No Brasil, várias teorias têm apontado caminhos distintos (nem sempre revolucionários) para a classe trabalhadora, porém, o nosso próprio processo histórico, marcado pela dependência externa e por uma série de transições mal resolvidas, nos dá clara noção sobre a necessidade de uma ruptura profunda (e ainda inédita) com as classes dominantes nacionais e internacionais.
O elemento forasteiro como fator determinante nas transiçõesO desenvolvimento histórico brasileiro é marcado por uma série de rupturas políticas e econômicas limitadas no que concerne às transformações realizadas, no geral lentas e graduais. Uma característica em comum é a não participação efetiva das massas e a consequente falta de conquistas para as mesmas.
Nestes momentos de extrema contradição entre o velho e o novo as elites conseguem garantir os seus interesses, permitindo apenas que mudanças historicamente inevitáveis aconteçam e mantendo sua hegemonia de classe num processo lento de modernizações (inclusive de si mesmas).
Estas rupturas, em que os melhores exemplos são a construção de um Estado politicamente independente (cujo auge se dá no rompimento com Portugal em 1822) e a instituição da república burguesa em 1889/1891, encaixam-se no que Gramsci classificou como “revolução-restauração” ou “revolução passiva” quando analisou a história italiana. Sendo importante notar que esse problema não é uma exclusividade brasileira e muito menos fruto da apatia ou da cordialidade do nosso povo, como prega o senso comum.
Aparentemente fruto da ignorância, essas distorções cumprem uma função conservadora, fazendo com que as massas aceitem para si o papel de espectadoras, prejudicando a construção da própria consciência de classe dos trabalhadores. É um “fantasma” que deve ser devidamente exorcizado pelo método científico de análise histórica.
Ao observarmos os processos de transição nacionais percebemos que a causa do caráter conservador destes está na infiltração de interesses estrangeiros, conseqüência do papel auxiliar e dependente desempenhado pelo Brasil após a conquista portuguesa. Esses interesses alienígenas apresentam-se até mesmo como elementos importantes e causadores das rupturas, que acabam culminando pela combinação de uma série de contradições internas e externas.
A presença do elemento forasteiro age como o “fiel da balança” nos momentos de aguçamento político, seja para brecar ou para alavancar determinadas transformações, mas sem nunca romper com os interesses próprios e de seus aliados internos da classe dominante.
O desenvolvimento desigual e combinado entre o Brasil e o “centro” do mundo
Uma das grandes contribuições de Lênin às ciências sociais foi analisar e compreender o desenvolvimento desigual do capitalismo entre as nações. Trotsky (apesar de todos os problemas conhecidos por todos) vai além e sistematiza algumas características do desenvolvimento histórico dos povos, não apenas como desigual, mas também como combinado.
No Brasil diversos autores buscaram compreender o papel do elemento estrangeiro no processo histórico nacional (tanto no geral quanto em momentos específicos), como Caio Prado Júnior, Nelson Werneck Sodré, Florestan Fernandes, Theotônio dos Santos, etc.
Caio Prado Júnior, através do que chamou de “Sentido da Colonização”, foi o primeiro autor de destaque a generalizar o desenvolvimento histórico brasileiro como subserviente aos interesses externos, mas foi na chamada “Teoria da Dependência” que, através de autores como Theotônio dos Santos, a análise dessa relação atingiu uma formulação mais madura.
Na justa compreensão da relação de dependência entre o Brasil e os centros econômicos mundiais está a chave para o entendimento das insuficiências nas rupturas de nossa história.
A origem da dependência
A primeira superestrutura política formada no território onde hoje existe o Brasil não foi nada mais do que um apêndice do Estado português. Sua função era garantir a exploração da região para abastecer a Europa. Esse Estado colonial, montado inicialmente de fora para dentro, se desenvolveu junto das demais atividades da colônia, também voltadas para a sustentação da metrópole. Neste processo, surgiu uma elite latifundiária, responsável por exercer o domínio de classe do Estado colonial, cumprindo a função de “capataz” da metrópole e compartilhando com a mesma os ganhos da espoliação colonial, numa relação nem sempre harmônica.
Esse caráter alienígena da infraestrutura e da superestrutura, forjado durante os três séculos de exploração colonial, moldou em todos os aspectos a sociedade brasileira, estabelecendo uma função muito bem definida no mundo globalizado, possível apenas por causa da discrepância entre o desenvolvimento das forças produtivas internas e externas.
Graças ao enraizamento desse caráter auxiliar na sociedade colonial e a continuidade (e por vezes aprofundamento) da desigualdade entre as nações, o papel do Brasil continuou a ser suplementar aos países mais desenvolvidos, inclusive após o rompimento entre o Estado brasileiro e a metrópole portuguesa. Na construção da sociedade burguesa merece destaque o papel que a Inglaterra jogou, permitindo uma abolição real da escravidão de forma gradual, paralela à modernização da própria elite latifundiária (ou pelo menos grande parte desta) e sua adaptação ao capitalismo global/ imperialismo.
No século 20 o dilema entre uma nação soberana ou dependente tornou-se mais agudo e as disputas entre aqueles que representavam ambos os caminhos estiveram no centro das contradições durante os momentos mais determinantes da república, como na Era Vargas ou no Golpe de 1964. Até hoje esse problema é presente, principalmente na luta contra o neoliberalismo. Porém, mesmo com os avanços conquistados através dos governos Lula e Dilma, tem ficado cada vez mais claro que só o socialismo poderá dar um fim positivo à questão.
Transição ao socialismo: Reforma ou Revolução?
Uma análise superficial dessas limitações presentes nas transições brasileiras tem levado até mesmo alguns setores progressistas à confusão, fazendo renascer no Brasil concepções equivocadas, sugerindo inclusive a possibilidade de transição passiva ao socialismo, sem grandes conflitos e até mesmo em aliança com setores da burguesia nacional (secundarizando ou até mesmo negando a luta de classes).
Um dos autores mais usados na fundamentação dessas concepções é Gramsci, justamente por causa dos seus (já citados) estudos sobre as revoluções “passivas”. Entretanto, outros autores clássicos, como Lânin ou até mesmo o próprio Marx, contribuem para uma análise científica deste tipo de fenômeno sem dar qualquer margem para interpretações reformistas.
Na Alemanha também houve um processo de desenvolvimento capitalista originado “de cima pra baixo” que teve eixo nas relações com países mais avançados, como observou Marx (Contribuição à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel). Estudando a questão, Lênin foi mais fundo e sua análise sobre a chamada “Via Prussiana de Desenvolvimento Capitalista” relacionou muito bem as ligações entre infraestrutura e superestrutura nestas revoluções “feitas pelo alto”.
A existência desse tipo de fenômeno na história europeia jamais serviu de ferramenta para que estes autores viessem a defender qualquer forma de transição não revolucionária ao socialismo (o que seria contraditório com a própria trajetória de lutas do marxismo-leninismo). Não há motivos para crer que hoje em dia a situação tenha mudado, muito menos no caso brasileiro.
Aqui, a relação de dependência foi justamente o fator que permitiu a não radicalização dos processos de ruptura, logo, é impossível pensar em uma transição passiva, não revolucionária, que ainda rompa com a subordinação aos interesses estrangeiros. A própria burguesia brasileira já se mostrou subserviente e os poucos setores desta que ousaram apontar um rumo diferente foram rapidamente extirpados da cena política.
As lições da história nacional para o socialismo têm sido retiradas de “cabeça para baixo” por estes setores confusos. A transição ao socialismo não deve seguir a tradição dos processos anteriores, deve fazer justamente o contrário, inclusive para poder existir. É uma herança que o povo brasileiro deve renunciar.
Só será possível realizar uma transição pela via passiva se não houver mudanças sociais profundas e muito menos o rompimento com o imperialismo. Se falamos de transição ao socialismo, isso inclui necessariamente transformações radicais, possíveis apenas pela via revolucionária.
A crise do capitalismo no final do século 19 e início do século 20 tornou vivo o debate entre reforma ou revolução. Ao entrarmos no século 21 o sistema capitalista apresenta-se novamente em estágio crítico e essas vias chocam-se outra vez. Cabe a nós encontrarmos a justa solução destas contradições, assim como fizeram Lênin e os comunistas no século passado, abrindo caminho para a emancipação do ser humano e a independência dos povos.
“Assim será o século 21, em seus começos haverá sombras e luzes, mais sombras do que luzes. Depois o quadro se inverterá e a humanidade viverá tempos de grandes esperanças”. João Amazonas
Referências
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Escrito pelo autor do blog e publicado originalmente no Portal Vermelho