Cabeça de sindicalista
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Cabeça de sindicalista


Faz alguns anos, eu estava conversando com um professor que também atua na gestão de um sindicato dessa categoria e flagrei um, como direi?, paradoxo muito revelador. Ele começou malhando os cursos de pós-graduação à distância, que, segundo ele, são de baixa qualidade, ou até picaretagem mesmo. Não acho que seja justo falar como se todos os cursos à distância fossem ruins, mas é certo que a qualidade de muitas dessas pós-graduações à distância (e não só as particulares, como também as públicas) merece ser questionada mesmo. Mas o interessante foi que, mais para o final da conversa, quando já estávamos falando de outros assuntos, ele contou que muitos professores do Paraná fizeram cursos de pós-graduação à distância cujos diplomas não são reconhecidos pelo MEC, o que os levou a solicitar ao sindicato que entrasse na Justiça para forçar o MEC a reconhecer tais diplomas. Veio então o comentário, feito com um sorriso meio amarelo: "é, eu mesmo sou contra esses cursos, mas sindicato tem que defender os interesses dos associados; então, já que eles pediram...". 


Eu não acrescentei ou objetei nada ao que foi dito - e nem precisaria, já que ele se mostrou bem consciente de que a prática do sindicato nem sempre condiz com suas convicções pessoais sobre o que é educação de qualidade. Menciono esse episódio agora porque revela um fato óbvio, porém obscurecido pela retórica dos sindicalistas e pelos discursos, às vezes ingênuos, de acadêmicos, jornalistas e militantes de esquerda. Refiro-me ao fato de que os sindicatos não são porta-vozes de interesses gerais da sociedade e nem sequer da "classe trabalhadora" em conjunto, pois representam apenas e tão-somente os interesses dos seus próprios filiados! Nesse sentido, vale para os nossos sindicalistas um ensinamento muito bem sintetizado pela escritora Ayn Rand:
"Assim como uma sociedade adequada é governada por leis, não por homens, uma associação adequada é unida por ideias, não por homens, e seus membros são leais às ideias, não ao grupo" (citada por Constantino, 2007, p. 62).
Essas palavras desvelam o fulcro da questão. Uma associação realiza atividades que podem ser benéficas para a sociedade quando a razão de existir dessa associação está no objetivo de fazer valer certas ideias, mas as corporações, seja de empregados ou patronais, existem para defender, antes de mais nada, interesses. Daí que a solidariedade dos sindicalistas, por ser restrita aos interesses do grupo, leva-os a proclamar princípios de forma meramente retórica e, não raro, pode descambar para comportamentos de tipo mafioso. É o que vemos, por exemplo, no retrato que o filme As invasões bárbaras, de Denys Arcand, faz dos sindicatos de funcionários dos hospitais públicos do Canadá: eles se protegem mesmo quando se trata de funcionários que roubam pacientes!

Ainda assim, não quero dar a entender com isso que os sindicatos são nocivos em si mesmos e que as reivindicações sindicais devem ser rejeitadas aprioristicamente pelas outras pessoas. A representação de interesses é válida e necessária, óbvio, já que as ações humanas não são motivadas somente pelo objetivo de pôr ideais em prática, mas também para satisfazer interesses econômicos. Minha intenção aqui é apenas mostrar que não devemos nos iludir com as declarações de preocupação com o bem geral usadas pelas lideranças sindicais nos debates públicos, pois a questão em jogo nesses casos nunca é a "importância" do trabalho desta ou daquela categoria para o conjunto da sociedade; a questão é negociar quanto os patrões, os consumidores ou os contribuintes estão dispostos a pagar pelos serviços prestados por uma determinada categoria profissional. 

Isso realmente não tem nada a ver com a "importância" de um trabalho, e sim com a sua produtividade marginal ou com a produtividade média do trabalho dentro de uma economia nacional. Quanto mais alta a produtividade, mais fácil fica atender às revindicações trabalhistas por maiores salários e menor carga de trabalho sem prejudicar o investimento produtivo ou a qualidade de vida de consumidores e contribuintes. Se não fosse assim, os médicos teriam de receber salários mais altos do que os artilheiros dos grandes clubes de futebol...

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CONSTANTINO, R. Egoísmo racional: o individualismo de Ayn Rand. Rio de Janeiro: Documenta Histórica, 2007.




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