Depoimento de Gildo Jorge Terena (*)
Gildo Terena ficou conhecido por ter caminhado, de joelhos e com os braços abertos, em direção à tropa de choque da PM baiana, que atacou manifestantes no dia 22 de abril de 2000, em Santa Cruz de Cabrália, BA.
Nome: Gildo Jorge Roberto
Data de Nascimento: 19/12/1982
Residência: Aldeia Campo Novo – Rondonópolis – MT (**)
"Nós somos índios reconhecemos nossa aldeia, reconhecemos o que é dor de um cortado que alguém corta em nós. Estou aqui falando através de todos os povos nativos do Brasil que esteve aqui na nossa marcha querendo outros 500. Com esses outros 500 que nós entramos, foi difícil colocar na minha consciência o que o governo fez para nós. Foi difícil entender o que ele queria para nós, e fomos massacrados. Eu mesmo, a minha pessoa eu coloquei a disposição da tropa de choque para que pudessem acabar comigo mas que não acabassem com o povo que estão em extinção.
Doeu em mim, eu vi mulher chorando sem saber de nada. Doeu em mim, ver crianças olhando com desespero, eu sabia que eu era um ser humano, mas não um animal para ser tratado com bombas, com os cavalos. Eu olhei para mim, eu coloquei primeiramente a Deus no meu caminho que me protegesse de todo o mal que ia acontecer comigo, eu abri as minhas mãos, pedi a orientação do Pai, que Ele pudesse me proteger. Aí com humilhação de todos os povos em mim, me pus, me humilhei dizendo: parem com isso! Não sabemos o que estão fazendo, nós não sabemos o que está acontecendo com nós, nós estamos apenas protestando com faixas, com cartazes, com camisas dos outros 500 anos que queríamos.
Doeu em mim, joelhei ali implorando Paz, implorando paz, só que ninguém me ouviu porque eu sou um, sou um ser humano não governante. Aí eu implorando, cheguei na frente de todos os batalhões, pedi que não fizesse aquilo mais, porque nós ia parar para que nós não pudesse ser massacrado mais uma vez no entrando os outros 500 anos de novo. Aí eu senti como se fosse os Cabral entrando na nossa terra brasileira, eu senti de novo outros 500 anos que eu ia sentir de massacre e violência para meu povo.
Eu coloquei de joelhos, andei mais de cinco metros de joelhos, pedi para que eles parassem. Eu fui andando, andando de joelhos, eu cheguei na frente deles, eles diziam o soldado, que estava só cumprindo a missão deles. Aí quando eu levantei, vi um daqueles colocando mais um, mais uma bomba, para jogar pro lado do meu povo, eu abri os meus braços, que eles eram prá jogar em mim e não neles e nisso eu fui empurrado pela bomba e eu caí no chão sem defesa nenhuma, sem agressão nenhuma, eu tentei levantar e fui pisoteado pelo batalhão. Senti como se Fosse animal depois. Eu chorei, eu não agüentei ver em mim que um índio pisado, pisado no começo de uma nova era dos 500 anos.
Eu chorei, chorei me perguntando, o que eles estavam fazendo. É doído, é doído em mim. É doído ver meu povo triste de longe, de todo o Brasil, foi para protestar com paz. Chegando lá com violência, foram embora, não de cabeça baixa, mas esperando os outros 500 que não possam ser assim. E eu agradeço a todos que tem o coração índio, que tem um coração de espírito, de espírito que vê o outro índio, ou não índio, negro ou branco que possa olhar como ser humano aquele que pede esmola, aquele que não tem onde morar. Aquele que sente racismo, que possa sentir em si que nós temos coração e só isso eu quero deixar para vocês. Meu muito obrigado."
(*) Íntegra do depoimento pronunciado no ato público de solidariedade na cidade de Rondonópolis no dia 24 de abril de 2000, na Praça dos Carreiros, às 17h.
(**) Os indígenas desta aldeia moram há 16 anos na periferia de Rondonópolis, e lutam há um ano e meio pela demarcação de suas terras em Mato Grosso.
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