Geografia
Ainda sobre as organizações que não mudam
Para encerrar o post anterior, cabe avaliar mais três comentários publicados por estudantes no site do jornal Gazeta do Povo, em que foi publicada uma matéria que questiona a legitimidade das organizações estudantis. Os comentários dos alunos seguem em itálico.
"Qualquer posição, ação, tem conteúdo ideológico e político. Ou seja, o fato de querer (des)ideologizar, despolitizar, já por si só uma doutrina e uma ideologia. Que a meu ver, é uma ferramenta de desmobilização, ataque ideológico sobre qualquer tentativa de se organizar concretamente coletivamente, visando ações, independente de que pauta esteja sendo reivindicada. Reclamações sobre se entidades, partidos, representam ou não, surgem exatamente desta ideologia e doutrina, de despolitização!".
Ao contrário do que diz o comentário, a ideia de concentrar os esforços das entidades estudantis na melhoria da excelência acadêmica nada tem a ver com desmobilização. Ao citar o caso do estudante Felipe de Oliveira, da UnB, a matéria da Gazeta destaca que ele "tentou se envolver em mobilizações com propostas mais pragmáticas, sem a adesão a bandeiras políticas, mas optou por afastar-se devido à reação de grupos já estabelecidos". Tem gente que pensa que organização coletiva só existe quando é para defender ideais coletivistas...
E vale ressaltar que, enquanto alguns comentários de alunos acusaram a matéria de tendenciosa, este veio dizer que tudo é ideológico e que não há como fugir disso. É uma incoerência típica dos esquerdistas: acusam a "grande mídia" de não ser isenta quando aparece alguma matéria que não lhes agrada, mas, quando alguém denuncia que certos espaços monopolizados pela esquerda são avessos ao pluralismo (como é o caso do nosso sistema de ensino, por exemplo), logo começam a gritar que neutralidade não existe e que todo discurso é ideológico.
Finalmente, nota-se que o autor do comentário tenta explicitamente interditar o debate sobre os problemas de aparelhamento partidário e de baixa representatividade das organizações estudantis com o argumento de que tocar nesse assunto é agir de acordo com uma ideologia da despolitização. Mas a verdade é bem outra: só quem é politizado se preocupa em saber se os partidos e outras entidades de representação têm a legitimidade que deveriam ter.
"Durante muito tempo deixar de participar do movimento estudantil, por preconceito, sem conhecimento de causa, mas posso dizer que com certeza participar do Centro Acadêmico de Geografia da UFPR no ano passado foi uma das melhores experiências da minha vida, a gente aprende a não pensar só em sí, a pensar no coletivo e a responsabilidade que temos em dar um retorno ao investimento de milhões de brasileiros".
O comentário supõe que um estudante só faz jus ao dinheiro público investido nele quando se dedica à militância, não quando se esforça para tornar-se um bom profissional. Ora, se fosse assim, deveríamos privatizar todas as universidades estatais e repassar o dinheiro que costuma ser gasto com elas para sindicatos, ONGs e partidos políticos. Afinal de contas, se médicos, engenheiros, dentistas e professores são gananciosos a ponto de cobrar pelos serviços que prestam, é lógico que os seus trabalhos só beneficiam a eles mesmos. Para que os milhões de brasileiros que pagam impostos haveriam de precisar de bons médicos, bons dentistas, bons engenheiros ou de bons professores? As universidades privadas deveriam se encarregar sozinhas de formar esses profissionais egoístas que ganham dinheiro sem fazer nada de útil para ninguém. De outro lado, um ativista universitário pode ter sempre a certeza de que sua luta política beneficia toda a população brasileira. Mesmo quando ele passa anos defendendo propostas que nunca saíram do papel, como o cancelamento da dívida externa, reforma agrária ampla e massiva e socialismo, modelo que fracassou de modo retumbante em todos os países onde foi implantado.
"Os centros acadêmicos da UFPR falham ao defender a greve dos técnicos administrativos, já que o que está sendo pedido não beneficia realmente os alunos. Eles esquecem que os recursos da UFPR são limitados e que o dinheiro extra investido nos servidores deixaria de ser destinado à melhora do ensino".
O comentário lembra um fato óbvio que os "movimentos sociais" sempre esquecem ou fingem não saber: o que é ganho para um é sempre gasto para outro.
OBS.: Publicado originalmente em 29 de agosto de 2011 no site Geografia em Debate
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