Agrotóxicos não fazem mal à saúde, mas nutricionista se contradiz para propagandear orgânicos
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Agrotóxicos não fazem mal à saúde, mas nutricionista se contradiz para propagandear orgânicos


Entre os mil e um argumentos que militantes do MST, geógrafos agrários e outros intelectuais engajados apresentam para contrapor o agronegócio à agricultura familiar, um dos mais repetidos é o de que incentivar esta última significa dar força à produção de alimentos orgânicos, que são produzidos de forma sustentável e não fazem mal à saúde das pessoas. OK, mas os textos que já li a respeito não apresentavam dados de pesquisas que comprovem que os alimentos produzidos com fertilizantes químicos, pesticidas e herbicidas sejam prejudiciais à saúde. Simplesmente assumem isso como um fato, e pronto!


Talvez seja correto dizer que, há mais de trinta anos atrás, quando a imprensa começou a alertar a opinião pública para os perigos dos agrotóxicos, os efeitos negativos desses produtos para a saúde fossem cientificamente incontestáveis. Mas não é isso o que acontece hoje, em que os produtos químicos utilizados na agricultura, assim como as formas de aplicação,  mudaram muito. No texto Alimentos orgânicos fazem bem à saúde e são mais saborosos, a nutricionista Eneida Ramos afirma o seguinte:
De acordo com a maioria dos estudiosos da ciência da toxicologia, a aplicação controlada de fertilizantes e de outros produtos químicos não causa danos à saúde. No entanto, o que preocupa é o uso indevido e abusivo desses produtos por parte dos produtores.
De acordo como o Instituto Biológico de São Paulo, há casos de aplicação de pesticida em culturas para as quais o produto não é autorizado. O Brasil foi incluído entre os países onde há exagero no uso de agrotóxicos pela FAO, órgão das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura. É aconselhável a consulta no site a ANVISA, para reconhecer quais produtos estão mais contaminados, e se possível preferir o consumo desses produtos na versão orgânica, livre de agroquímicos. Vale ressaltar que os produtos mais contaminados variam bastante nas épocas do ano e também de ano para ano.
Portanto, a autora deixa claro que o problema não está nos agrotóxicos e no uso de fertilizantes químicos, mas na forma como esses produtos são aplicados e nos sistemas de fiscalização responsáveis por garantir que essa aplicação seja adequada. Na sequência do texto, porém, a autora faz uma lista de nove motivos para as pessoas preferirem os alimentos orgânicos, a qual, em vários momentos, contradiz aquela maioria de pesquisadores que, segundo ela mesma, atesta que os produtos químicos não causam danos à saúde! Vejamos:
1) O consumo de produtos orgânicos protege a saúde. Os resíduos dos aditivos químicos, pesticidas, hormônios de crescimento, antibióticos que permanecem nos alimentos à longo prazo podem provocar reações alérgicas, respiratórias, problemas neurológicos, distúrbios hormonais (em homens e mulheres), desenvolver determinados tipos de cânceres, diminuição da fertilidade (redução do número de espermatozoides).
Trata-se de uma incoerência flagrante com o que a própria autora escreveu no parágrafo anterior, pois como é que os especialistas em toxicologia, na sua maior parte, poderiam concluir que o uso adequado de produtos químicos não faz mal à saúde ignorando esses supostos efeitos de longo prazo?
2) Os alimentos orgânicos são mais nutritivos. Embora ainda exista muita discussão a respeito do assunto e nenhum consenso científico, solos mais ricos e balanceados com adubos naturais produzem alimentos com maiores concentrações de nutrientes, fitoquímicos antioxidantes, como polifenóis e carotenoides, que os alimentos produzidos convencionalmente.
Se no motivo 1 a autora foi incoerente com o que havia escrito um parágrafo antes, no motivo 2 há incoerência de uma frase para a outra! Afinal, se não existe "nenhum consenso científico" de que alimentos orgânicos são mais nutritivos, o que fundamenta as afirmações feitas na sequência para demonstrar que isso seria verdade!? Será que ela quer enrolar o leitor impressionando-o com termos químicos, do tipo "polifenóis" e "carotenoides"?
3) Sabor e aroma mais intensos. A ausência de agrotóxicos ou produtos químicos contribui para o sabor e o aroma naturais. Além disso, frutas e vegetais orgânicos crescem mais lentamente e tendem a ser menores.
Existe alguma pesquisa que prove que sabores e aromas naturais são mais intensos? No livro O andar do bêbado, de Leonard Mlodinow, são citadas pesquisas que provam que as avaliações de sabores e odores são fortemente influenciadas pelas expectativas prévias que as pessoas têm sobre qual deve ser o gosto de um alimento ou bebida. Até mesmo provadores de vinho profissionais se enganam quando são induzidos por corantes a acreditar que estão bebendo um tipo de vinho quando na verdade estão bebendo outro. Sendo assim, pergunto: já fizeram testes controlados desse tipo para verificar se os consumidores conseguem distinguir alimentos orgânicos dos convencionais só pelo sabor? Como Eneida Ramos não diz nada a respeito para comprovar sua afirmação, suponho que sua conclusão é gratuita.

A propósito, constatar que os alimentos orgânicos tendem a ser menores implica dizer que a produtividade da agricultura orgânica é inferior, o que implica ter de usar mais terras para a produção da mesma quantidade de comida.
4) O produto orgânico é certificado. Tem origem sempre de fontes confiáveis.
A própria autora reconhece que os produtos convencionais têm sua qualidade fiscalizada pela Anvisa e por entidades que fornecem informações para a FAO. E indica o site da Anvisa para quem quiser avaliar os riscos de consumir este ou aquele produto. Mas de onde sai a certeza de que os sistemas de certificação de produtos orgânicos são infalíveis? Na Alemanha, onde pessoas morreram recentemente pelo consumo de pepinos contaminados por uma bactéria intestinal, os levantamentos mostraram, por meio de uma amostra aleatória, que pepinos produzidos por cultivo biológico também apresentavam contaminação (ver aqui). 

A maioria dos outros motivos apresentados pela autora diz respeito à preservação dos solos, da água, da biodiversidade, e assim por diante. Muito bem, isso é ótimo. Todavia, é bom notar que a agricultura convencional, na medida em que produz grande quantidade de comida por unidade de área, reduzindo o preço dos alimentos, tende a diminuir a demanda por terras, o que contribui para que mais áreas possam ser destinadas à preservação de florestas e de outros biomas.

O último motivo, por sua vez, é de ordem social:
9) Ajuda os pequenos agricultores. Em sua maioria, a produção orgânica provém de pequenos núcleos familiares, que tem na terra a sua única forma de sustento.

Eneida Ramos fez bem em escrever "em sua maioria", posto que a identificação entre agricultura familiar e produção orgânica é uma generalização falsa, conforme já discuti em trabalhos publicados. E vale sublinhar que o argumento de que os produtores familiares precisam desse tipo de "ajuda" depõe contra a ideia, defendida por marxistas como Ariovaldo Umbelino de Oliveira, de que o capitalismo precisa reproduzir o campesinato para garantir a produção de alimento e, assim, contraditoriamente, se reproduzir como sistema.

No final do texto, ela fala da desvantagem dos produtos orgânicos, a qual "ainda é o preço". Mas pondera que "o preço pode diminuir quando a produção e o consumo aumentarem". Quanto a isso, não há dúvida. Só faltou acrescentar que os próprios métodos de produção orgânica criam limites para a redução de preços, já que os alimentos orgânicos tendem a ser menores, como visto acima, e o uso de mão de obra é intensivo, uma vez que não são utilizadas máquinas. Não é à toa que, na Europa, a produção familiar de orgânicos é subsidiada pelo Estado.

Concluindo

Quero deixar muito claro que não me oponho à agricultura orgânica. Pelo contrário, acho que é uma alternativa tecnológica bem-vinda e na qual vale a pena investir. Afinal, o potencial de expansão desse sistema produtivo não pode ser determinado de antemão. Se inovações tecnológicas o tornarem apto a ampliar sua participação no fornecimento de comida, está ótimo. E respeito plenamente os consumidores que dão preferência para a compra de orgânicos, seja pelo motivo que for, desde que eles comprem esses produtos com o dinheiro deles, não com subsídios pagos com dinheiro dos impostos. 

O que eu critico, isso sim, é a ideologização do discurso agroecológico e as declarações de superioridade desse sistema produtivo que não estejam baseadas em observações científicas. O texto de Eneida Ramos é muito mais informativo e sincero do que os trabalhos que costumam ser escritos sobre geografia rural, mas as incoerências e afirmações gratuitas mostram que ela também anda trocando a objetividade científica pela defesa de uma causa.




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