A velha nova face do campo
Geografia

A velha nova face do campo



Mapa publicado em Atlas da Questão Agrária Brasileira
http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/estrutura_fundiaria.htm
Por Denise Ribeiro
Avanço da soja, produtores rurais semianalfabetos, 1 milhão de menores de 14 anos trabalhando, agricultura familiar responsável pela segurança alimentar do País, diminuição da área destinada à agropecuária.
Esses são alguns dos principais dados apurados e finalmente compilados do Censo Agropecuário 2006, raio X da estrutura produtiva do agronegócio brasileiro que atualiza os dados de 1995, ano da última medição. O décimo Censo traça um perfil detalhado de 5,2 milhões de propriedades rurais do Brasil e revela que a concentração de terras permanece praticamente inalterada ao longo dos anos. O índice de Gini, que mede a concentração fundiária, registrou uma piora. Passou de 0,856 para 0,872. As propriedades com mais de mil hectares ocupam 43% da área total, ante os 2,7% de área ocupada pelas menores (abaixo de 10 hectares), que representam 47% das propriedades.


Mas houve uma queda na concentração de terras em 2.360 cidades brasileiras. O movimento de concentração, segundo o IBGE, foi puxado pelas grandes culturas de exportação (soja e milho, especialmente), pela profissionalização do agronegócio e pelo avanço da fronteira agropecuária em direção à Amazônia e ao Pantanal – impulsionada pela criação de bovinos e pela soja. Com crescimento de 88% na produção, a soja foi a cultura que mais se expandiu na última década, muito em razão do uso de sementes transgênicas, adotada por 46,4% dos estabelecimentos. A área destinada à agropecuária diminuiu em 23,7 milhões de hectares -(-6,69%) em relação a 1995.
O IBGE acredita que a criação de novas Unidades de Conservação Ambiental (crescimento de 19,09% de área) e a demarcação de terras indígenas (crescimento de 128,2%), totalizando mais de 60 milhões de hectares, podem explicar a redução.
Nas propriedades, houve diminuição das áreas de florestas (-11%) e de pastagens naturais (-26,6%), e aumento nas áreas de pastagens plantadas de 1,7 milhão de hectares (1,8%). Como era de esperar, o crescimento coincide com o avanço das fronteiras agropecuárias. O maior ocorreu no Centro-Oeste (63,9%), o que pode explicar os índices recordes de desmatamento medidos na região. Gerente do Censo Agropecuário desde 1991, o engenheiro agrônomo Antonio Carlos Simões Florido participou de cinco levantamentos semelhantes. Prefere, por isso, se distanciar de conclusões simplistas. “Não dá para olhar um dado e emitir um juízo de valor. O resultado será ruim ou bom, dependendo do viés que se dê a ele.” Dá como exemplo um dos dados mais polêmicos apurados pelo IBGE: o de que há 1 milhão de crianças de até 14 anos trabalhando no campo. “A maior parte delas pertence a famílias de produtores que trabalham e vivem em suas unidades de produção. Os filhos ajudam a capinar, cuidar de galinha, mesmo que frequentem a escola”, argumenta. “Não quero dizer que não há crianças sendo exploradas, mas a maioria ajuda os pais, da mesma forma que pedimos aos nossos filhos para lavar a louça e varrer o chão”, compara. Os maiores porcentuais de produtores analfabetos ou com poucos anos de escolaridade estão concentrados nas regiões Norte (38%) e Nordeste (58%). No Centro-Oeste (13%) e no Sudeste (11%) aparecem os níveis mais elevados de campesinos com grau técnico agrícola ou ensino médio completo. O reflexo mais imediato do semianalfabetismo é a aplicação incorreta de agrotóxicos. Segundo o estudo, nos estabelecimentos em que houve aplicação de agrotóxicos, 77,6% dos responsáveis (1,06 milhão) declararam ter ensino fundamental incompleto (1° grau) ou nível de instrução menor.
Como as orientações de uso de agrotóxicos que acompanham esses produtos são de difícil entendimento, o baixo nível de escolaridade, incluindo os 15,7% que não sabem ler e escrever (216 mil), está entre os fatores socioeconômicos que potencializam o risco de intoxicação. Pela primeira vez foi feito um mapeamento minucioso da agricultura familiar, um microcosmo de 4,4 milhões de propriedades espalhadas por 80,25 milhões de hectares (45% deles destinados à pastagem) e com área média de 18,37 hectares. Apesar de representarem 84,4% das propriedades brasileiras, correspondem apenas a 24,3% da área ocupada. As propriedades não familiares, com área média de 309,18 hectares, que representam 15,6% do total dos estabelecimentos, ficam com 75,7% da área ocupada. Apesar de cultivar uma área menor com lavouras e pastagens (17,7 milhões e 36,4 milhões de hectares, respectivamente), a agricultura familiar é voltada basicamente à produção de alimentos da cesta básica. Em 2006, respondeu pela produção de 87% da mandioca produzida no País, 70% do feijão, 46% do milho e 38% do café.
Também na pecuária as propriedades menores e familiares são fortes. Na produção de leite, respondiam, em 2006, por 58% do total. Tinham ainda 59% do plantel de suínos e 50% do de aves. Outros dados atualizados do levantamento:
1. Em 2006, a criação de bovinos era a atividade mais comum dos cerca de 5,2 milhões de estabelecimentos agropecuários existentes no País: praticada em 30% deles. Em seguida vem o cultivo de lavouras temporárias, como feijão e mandioca (18%), o de cereais (12%) e a criação de aves (9%).
2. As propriedades rurais ocupavam 36,75% do território nacional.
3. O nível de emprego nas propriedades rurais está diminuindo. Entre o Censo de 1995-1996 e o de 2006, a queda foi de 7,2%.
4. Em 2006, quase 12 milhões de pessoas trabalharam de modo temporário (por até 180 dias). Perto de 4 milhões tinham parentesco com o produtor. Do universo dos temporários, 5 milhões trabalharam na pecuária (ou criação de outros animais) e 4 milhões na lavoura.
5. A cana-de-açúcar é a cultura com maior valor da produção (14%), seguida pela soja (14%), criação de bovinos (10%), cultivo de cereais (9%) e cultivo de outros produtos da lavoura temporária (8%).
6. Os estabelecimentos especializados foram responsáveis por 81% do valor da produção agropecuária. O IBGE considerou como especializado o estabelecimento cuja atividade principal representasse 66% (ou mais) de seu valor total de produção, a soma do valor da produção animal e vegetal e do valor agregado da agroindústria rural.
7. O setor empregou dois de cada dez trabalhadores brasileiros. As pequenas unidades concentravam 84,36% dos trabalhadores rurais.
8. Dos 80,25 milhões de hectares da agricultura familiar, 45% eram destinados a pastagens, 28% a florestas e 22% a lavouras.
Fonte: Carta Capital - 05/10/2009




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