Geografia
A última fronteira da Terra*
A última fronteira da Terra*
Roberta Jansen
Sem os oceanos, a vida na Terra é impossível. Mas a humanidade continua a poluir suas águas e a destruir seus recursos
O mar cobre 70% da superfície do globo e constitui a sua maior reserva de biodiversidade inexplorada. É a última grande fronteira do planeta equivocadamente chamado Terra, com imenso potencial para a descoberta de formas de vida desconhecidas, material genético e substâncias capazes de gerar novos medicamentos. Ainda assim, os oceanos são pouco conhecidos - só 1,5% das águas profundas foi inventariado - e vêm sendo explorados de forma predatória há séculos. A grande maioria das regiões costeiras do planeta está poluída e os recursos marinhos, seriamente ameaçados. No Brasil, a situação não é diferente: o litoral recebe, diariamente, 47 milhões de metros cúbicos de poluentes, entre dejetos industriais e orgânicos. Sem os oceanos, no entanto, a vida na Terra é impossível. Eles são a principal fonte de oxigênio da Humanidade. Fornecem alimentos (em média, 16% das proteínas animais ingeridas pela população são de origem marítima) e pelo menos 25% de todo o petróleo consumido mundialmente. Mais de 80% do petróleo produzido no Brasil vêm do mar. Embora os especialistas já comecem a entender como os oceanos são frágeis e, ao mesmo tempo, tão importantes para o ciclo da vida, ainda precisam desenvolver novas tecnologias para investigar o que realmente existe nas profundezas marinhas.
Tesouros submersos prometem lucros maiores que os gerados pelo petróleo
Os mares são tão desconhecidos que, segundo estimativas, abrigam pelo menos 10 milhões de espécies nunca classificadas. Para os cientistas, os seres vivos ainda não descobertos podem ser até mais valiosos do que o petróleo.
Embora a Humanidade sempre tenha explorado os mares como fonte de alimentos e local de despejo de resíduos orgânicos, foi somente na segunda metade do século XX que a pesquisa dos oceanos se tornou mais regular. Ainda assim, até hoje, apenas 1,5% das áreas de águas profundas foi inventariado. De todas as 1,8 milhão de espécies animais catalogadas, apenas 9% são marinhas - por absoluta falta de acesso às demais. Os cientistas chegaram à profundidade máxima dos oceanos, cerca de 11 km, mas não dispõem de tecnologia para estudá-la. As superfícies de Marte e da Lua são mais bem conhecidas do que o solo marinho.
No entanto, os especialistas já sabem que os mares podem guardar riquezas potencialmente tão ou mais valiosas do que o próprio petróleo, especialmente na área da química farmacêutica. Importantes compostos usados no tratamento do câncer já foram encontrados em pepinos-do-mar, esponjas e cianobactérias marinhas. Para se ter uma idéia, somente no Brasil, nas duas últimas décadas, mais de 6.500 produtos naturais derivados de organismos marinhos foram identificados, de acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente.
- Esses compostos envolvem uma grande variedade de estruturas químicas, tais como antibióticos e outros agentes terapêuticos - contou, ao GLOBO, Álvaro Roberto Tavares, Gerente do Projeto de Gestão Integrada dos Ambientes Costeiro e Marinho do ministério.
- Mas ainda são muito poucos os projetos voltados para a pesquisa do potencial biotecnológico das águas jurisdicionais brasileiras. O Brasil deveria conhecer melhor sua biodiversidade marinha. Até porque estima-se que nas áreas marítimas nacionais pode ser encontrada uma diversidade biológica maior do que a existente na parte terrestre do país.
Segundo dados do ministério, os mares brasileiros abrigam 10% das 12 mil espécies de peixes descritas até hoje e servem de refúgio e local de reprodução para cinco das sete espécies de tartarugas marinhas do planeta.
- O que se esconde sob as águas é muito mais difícil de se ver, mais até do que a Lua e as estrelas - disse ao GLOBO, por e-mail, Meryl Williams, diretor-geral do centro para recursos do mar da ONG Future Harvest.
Williams nota que os submarinos só se tornaram comuns no século XX e a exploração mais extensiva dos mares data da segunda metade do século passado.
- Estamos apenas começando a entender alguns dos maiores segredos do nosso planeta, que se escondem de nossos olhos sob os oceanos. Acho que este século será voltado para o real entendimento dos oceanos, em particular da vida marinha - disse Williams.
Roberta Jansen é jornalista.
* Artigo publicado no suplemento especial Planeta Terra do jornal O Globo, em 4 de setembro de 2002.
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