A construção da cidade e o Extremo Sul
Geografia

A construção da cidade e o Extremo Sul


Está em curso o maior processo de despejos em massa já feito na história da cidade de São Paulo. Para justificá-lo, foram escolhidos dois discursos mentirosos, repetidos à exaustão: a defesa do meio ambiente e o investimento em infra-estrutura. Assim, por toda parte, dezenas de milhares de famílias estão sendo despejadas em meio à implantação de projetos megalomaníacos (ex. “Programa Mananciais”, Rodoanel, ampliação das Marginais) e políticas como “Operação Defesa das Águas”, “Operação Córrego Limpo”, tendo destaque aqui a construção de dezenas de parques lineares e praças. Com as obras e os projetos em curso, as áreas afetadas são valorizadas e passam a servir melhor à especulação imobiliária. Assim, além de uma imensa fonte de corrupção e de desvios de verbas, essas obras servem para encher os bolsos das empreiteiras, incorporadoras, imobiliárias e outras empresas que são, de longe, as principais financiadoras de campanhas eleitorais. Por outro lado, são gastos milhões e milhões em propagandas dessas obras, com objetivos eleitoreiros.

Os bilhões destinados aos projetos citados, tão bonitos no papel, nunca se revertem em benefício das pessoas afetadas, como demonstra o caso da “Operação Faria Lima”, em que centenas de milhões de reais originalmente destinados à construção de moradias populares para as milhares de famílias despejadas acabou sendo gasto na tal Ponte Estaiada. Ao invés de respeito e atendimento habitacional, as famílias afetadas são criminalizadas por ocupar uma área de maneira irregular, e por crimes ambientais.

A verdade que não se conta é a seguinte: foi com muita violência que uma minoria se apossou das terras e passou a oprimir a maioria da população, que, sem opção, teve que construir suas moradias longe do centro, em áreas sem infra-estrutura. Se a população pobre ocupou e ocupa áreas “irregulares”, beiras de rios, barrancos e áreas de mananciais foi porque não teve alternativa, e tirá-la de lá para outra área “irregular” não é solução.

No caso da nossa região, o primeiro momento de forte expansão se deu na década de 1970, mas esse ritmo é até hoje bastante acelerado. Nesse momento, a ocupação estava relacionada ao êxodo rural e à expulsão das populações pobres das regiões centrais da cidade. Por conta da legislação ambiental criada naquela época, o Estado se desobrigou de desenvolver aqui infra-estruturas e um processo regular de ocupação, o que fez com que a região permanecesse relativamente barata. Num conluio entre grandes proprietários, advogados, políticos e outros burocratas, criaram-se grandes loteamentos irregulares, o que significou um primeiro movimento de valorização, já que os grandes latifúndios – grilados e roubados – , mantidos inteiros, tinham pouco valor, ao passo que divididos em milhares de pequenas partes, passaram a ser uma incrível fonte de dinheiro.

Atualmente, essas áreas despontam como uma nova possibilidade de se fazer dinheiro; assim, se pretende expulsar violentamente uma parte da população mais pobre, regularizar a situação dos demais (o que significa inserir de fato a região no mercado imobiliário), e investir em infra-estrutura. Os que não serão despejados de um jeito, serão de outro, já que existe mais de uma forma de espoliar e despejar a população pobre: algumas envolvem processo jurídicos, oficiais de justiça e Polícia Militar; outras envolvem a cobrança de todo tipo de taxas e serviços, o encarecimento do custo de vida na região, os processos de especulação imobiliária, ou seja, a lei do mercado que promove expulsões veladas. Não é à toa que a regularização fundiária há tempos é política do Banco Mundial.

Por outro lado, ninguém é mais interessado na preservação das águas do que nós, que moramos próximos à represa, onde há poucas décadas era possível nadar e pescar. E somos nós que mais padecemos com a poluição, obrigados a conviver diretamente com ela, expostos à pragas e doenças. Se residimos em áreas de mananciais – dentro da qual estão também o Autódromo de Interlagos, grandes mansões, etc., que evidentemente não sofrem qualquer ameaça – é porque não temos alternativa.

Sabemos que é possível conciliar nossa própria existência com a preservação ambiental, por meio de uma ocupação ordenada do solo, e com a implementação de sistemas de coleta de lixo e de redes de esgoto adequadas. A verdade é que os grandes poluidores das águas da Represa Billings (o maior reservatório de água doce em área urbana do mundo) foram e continuam sendo as grandes empresas que, estimuladas pelo Estado e sem qualquer fiscalização, instalaram-se às margens da represa, lançando em suas águas seus dejetos tóxicos e seus metais pesados.

Diante de tudo isso, dizemos sem medo de errar: não é invasor nem bandido o povo que vive em condições difíceis, que acorda cedo e dorme tarde, que passa horas em ônibus e trens lotados, que trabalha o dia todo para construir e manter funcionando toda essa cidade, que não consegue médico nem remédio quando realmente precisa, que volta e meia é humilhado pela polícia, que batalha duramente para ter seu teto. Invasor e bandido é o engravatado num gabinete do governo ou num escritório de empresa que rouba, explora e que expulsa famílias inteiras de suas casas.





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