Imagem capturada na InternetA origem da escolha do Dia Nacional da Consciência Negra remonta o início dos anos 70 (Século XX), quando um grupo de seis pessoas em Porto Alegre (Rio Grande do Sul), engajados no movimento negro, resolveram homenagear a luta da comunidade negra brasileira, insatisfeitos - como estavam - com a escolha da data 13 de maio referenciada à Abolição da Escravatura.
Inicialmente, o referido grupo cogitou datas em homenagens aos poetas e abolicionistas Luiz Gama e José do Patrocínio.
A escolha do dia 20 de novembro foi uma sugestão do militante do grupo, poeta e professor de Português, Oliveira Silveira, em tributo a Zumbi e ao Quilombo dos Palmares, respectivamente, nomes do líder e do maior quilombo do Brasil colonial, localizado na Serra da Barriga, cuja área situava-se na antiga Capitania de Pernambuco e, que hoje faz parte do município União dos Palmares, no estado de Alagoas.
De acordo com o mesmo, esta data teria maior expressividade para a comunidade negra brasileira em detrimento a que se comemora a Abolição dos Escravos, assinada em 1888, pela Princesa Isabel.
Poeta e professor, gaúcho, Oliveira Silveira, integrante e militante do Grupo Cultural Palmares que deu bases para a criação do Dia Nacional da Consciência Negra
Inclusive foi desta opção que se originou, também, o nome do grupo, passando a se denominar de Grupo Cultural Palmares.
Vale ressaltar, aqui, que a cidade de Palmares, localizada em Pernambuco, não se refere à localidade do Quilombo dos Palmares. Seu nome deriva da grande quantidade de palmeiras que existia na região e adjacências e, também, em menção ao referido Quilombo que, como mencionei anteriormente, se encontra localizado na Serra da Barriga, no estado de Alagoas. No entanto, ambos os municípios faziam parte da área de abrangência da Capitania de Pernambuco.
Este alega, também, que a escolha do dia da morte do líder do Quilombo de Palmares (Zumbi), decorreu em razão da falta de registros históricos sobre a data do seu nascimento e nem do início do Quilombo dos Palmares.
Sendo assim, a data que passou a ser reverenciada primeiramente no Rio Grande do Sul transpassa os seus limites, sendo difundida e conhecida no resto do país. E, segundo o próprio Oliveira Silveira, graças ao apoio e divulgação da imprensa, a data comemorativa alcançou projeção em âmbito nacional.
São Paulo, Campinas e Rio de Janeiro constam como as primeiras cidades a comemorar a referida data em prol da luta da comunidade negra.
Sete anos depois da iniciativa do grupo gaúcho, mais precisamente em 1978, foi criado o Movimento Negro Unificado contra Discriminação Racial (MNUDR), o qual, em assembléia realizada na Bahia, no final do mesmo ano, acatou a proposta de um militante do Rio de Janeiro, chamado Paulo Roberto dos Santos, e oficializou a data 20 de novembro como o Nacional da Consciência Negra (Data de celebração a Zumbi e a Palmares).
A cidade do Rio de Janeiro foi o primeiro município a instituir a data do Dia Nacional da Consciência Negra como feriado municipal, em 1999 e, em novembro de 2002, este passou a incorporar o calendário estadual através da Lei nº. 4.007, sancionada pela, então, governadora Benedita da Silva.
Em 2003, o atual Presidente da República - Luiz Inácio Lula da Silva - incorporou a referida data comemorativa no calendário escolar e, ao mesmo tempo, tornou obrigatório o ensino da História e Cultura Afro Brasileira (Lei N.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003).
Este ano, o Governo Federal sancionou a Lei N.º 11.645 (de 10 de março de 2008), onde incluiu - nas Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003) - a obrigatoriedade, também, da História e Cultura Indígena (além da Afro-Brasileira, estabelecida em 2003).
Segue abaixo, a transcrição da entrevista da Agência Brasil com o poeta e professor gaúcho Oliveira Silveira, realizada nesta semana - por telefone - onde o mesmo avalia a atuação do movimento negro no Brasil. Logo, em seguida, disponibilizo imagens do Parque criado na localidade do Quilombo dos Palmares (União dos Palmares, Alagoas).
Agência Brasil: Por que o movimento negro gaúcho resolveu buscar uma nova data para reverenciar a luta dos negros contra o regime escravagista, em substituição ao 13 de maio?
Oliveira Silveira: Isso ocorreu em 1971. Estávamos insatisfeitos com o 13 de maio. Havia um grupo de negros que se reunia na Rua da Praia [no centro de Porto Alegre] e o nosso assunto, invariavelmente, era a questão negra e o fato de o 13 de maio não ter maior significação para nós. Logo, surgiu a idéia de que era preciso encontrar outra data. Eu, como gostava de pesquisar, aprofundei-me nisso. E encontrei material, cuja fonte era Édison Carneiro, autor do livro O Quilombo dos Palmares, indicando que Zumbi dos Palmares havia sido morto em 20 de novembro [de 1695]. Essa informação foi confirmada no livro As guerras dos Palmares, do português Ernesto Ennes, no qual foram transcritos documentos. Já que não sabíamos o dia de seu nascimento ou do início de Palmares, tínhamos pelo menos a data da morte de Zumbi, o último rei do quilombo de Palmares, Alagoas. Então, promovemos uma reunião, que originou o Grupo Cultural Palmares, cuja idéia era fazer um trabalho para reverenciar Palmares e Zumbi como algo mais representativo que 13 de maio.
Agência Brasil:Qual a crítica que vocês faziam e ainda fazem ao 13 de maio?
Oliveira Silveira: Nós vimos logo que o 13 de maio teve conseqüências práticas. Não havia medidas efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso, era plena de significado. Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no Brasil.
Agência Brasil: Quando foi realizado o primeiro ato para reverenciar Zumbi e Palmares?
Oliveira: Como o Grupo Palmares havia se disposto a trabalhar a partir de datas e já estávamos em julho de 1971, resolvemos homenagear primeiro o poeta e abolicionista Luiz Gama, que morreu em 24 de agosto, e mais adiante, em outubro, homenageamos o nascimento do poeta e abolicionista José do Patrocínio. Em novembro, fizemos a homenagem a Palmares. À época, o Grupo Palmares tinha quatro pessoas e depois entraram mais duas mulheres. Por isso, consideramos que o grupo fundador foi formado por seis pessoas, que fizeram esse trabalho em 1971, quando homenageamos Luiz Gama, Patrocínio e Zumbi e Palmares. O Grupo Palmares realizou, então, no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, o primeiro ato evocativo a Zumbi e a Palmares. Foi o início de um trabalho que teve continuidade ao longo dos anos.
Agência Brasil: Quando o restante do país começou a reverenciar o 20 de novembro?
Oliveira: Inicialmente foi só o Rio Grande do Sul, mas graças à divulgação, com o apoio da imprensa, a data foi se tornando conhecida. Em 1975 e 1976, São Paulo, com grupos de teatro de Campinas e da capital paulista, e o Rio de Janeiro começaram a celebrar o 20 de novembro. De modo que foi se implantando o 20 de novembro no país. Até que em 1978 surgiu a idéia de formar o coletivo de organizações negras denominado MNUDR ? Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Foi a tentativa de uma organização que reunia algumas entidades, entre as quais algumas já celebravam o 20 de novembro. No final de 1978, numa assembléia na Bahia, foi proposta a denominação de Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro. Foi uma idéia feliz de Paulo Roberto dos Santos, um militante do Rio de Janeiro. Então, aquilo fez com que o 20 de novembro se consolidasse [como data de celebração a Zumbi e a Palmares e de afirmação da comunidade negra brasileira], mas foi um trabalho contínuo do Grupo Palmares. Foi também o coroamento de um trabalho realizado no Rio Grande do Sul pelo Grupo Palmares e que se tornou importante, porque foi adotado pelo movimento negro em nível nacional.
Agência Brasil: O que representou o resgate da figura de Zumbi e do quilombo de Palmares na luta do negro em busca da cidadania plena e de sua auto-estima?
Oliveira: Foi extremamente significativo, porque o 20 de novembro se mostrou como algo com uma força aglutinadora muito grande. Com isso, muitos grupos se formaram e muitas atividades passaram a ser desenvolvidas. Em São Paulo, por exemplo, criou-se o Festival Comunitário Negro Zumbi, que promovia atividades em cidades do interior. Foi uma motivação muito positiva, especialmente pela mensagem, uma coisa mais afirmativa do que o 13 de maio.
Agência Brasil: Como o senhor explica que o resgate histórico de Zumbi e do quilombo dos Palmares tenha começado justamente num estado de maioria branca, como o Rio Grande do Sul, com forte presença de imigrantes de origem européia?
Oliveira: Parece até algo meio milagroso que o segmento negro tenha resistido nos estados do Sul. Antes, a Região Sul era considerada essa parte que vai do Rio Grande do Sul a São Paulo. E foi onde a imigração se localizou preponderantemente. Então, houve uma política voltada para essa região. Foi a política do branqueamento, que trouxe imigrantes e deixou de lado e de fora o indígena e o negro, a partir do século 17. Essa política poderia ter eliminado o segmento negro, mas ele resistiu. Eu considero que os imigrantes vieram como convidados e também interessados. Tiveram depois grande participação, grandes oportunidades e apoio logístico, inclusive de seus países. De modo que eles se desenvolveram muito aqui. Eles não podem ser isentados de culpa ou qualquer coisa nesse gênero, porque, na verdade, são beneficiários da nossa exclusão, da tentativa de exclusão de negros e indígenas.
Agência Brasil: Como o senhor avalia a atuação do movimento negro hoje e a inserção do negro na sociedade brasileira?
Oliveira: Foi um processo. O movimento foi se desenvolvendo. Vieram novas fases. Tivemos aquela primeira fase, de 1971 a 1978, que eu chamo de virada histórica. Depois, uma fase de surgimento de organizações e de aproximação com o poder, com o governo e a participação na [Assembléia] Constituinte de 1988. A partir da nova Constituição, temos uma nova fase, na qual o movimento tem uma linha mais prática. Já temos experimentações muito importantes, com participação no governo. Temos a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial [Sepir] e a Fundação Palmares. São instâncias que nos permitem uma experiência muito válida. Então, o movimento avança. E, com a política de cotas nas universidades, estamos dando passos importantes e necessários.
Agência Brasil: O Brasil se intitula como a maior democracia racial do mundo. Como o senhor analisa isso?
Oliveira: A democracia racial é um mito trabalhado especialmente em função dessa política de branqueamento, que nunca foi revogada. A miscigenação é apresentada como uma coisa positiva, mas, na verdade, não é. No Brasil, existe preconceito, discriminação na prática, existe racismo. É um país reconhecidamente racista. Isso é oficialmente reconhecido. Eu acredito que o racismo não é uma coisa que desapareça, que possa ser eliminado. Ele pode se aquietar, mas lá pelas tantas está vivo, forte e atuante.
Fontes de Pesquisa:
. Agência Brasil
. Guia do Recife e Pernambuco
. Parque Memorial Quilombo dos Palmares
. Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR)
. Tudo Alagoas
. Wikipédia: A Enciclopédia Livre
Imagens capturadas da Internet
União dos Palmares, Alagoas
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Morro da Barriga, União dos Palmares (AL)
Parque Memorial Quilombo dos Palmares (aberto em maio/2006)
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