Moradores de Berlim Ocidental observam operários erguendo o muro que viria a separar Berlim Ocidental e Berlim Oriental, em agosto de 1961
Trabalhador ergue o muro na Bernauer Strasse
Soldados vigiam trabalhadores que levantavam o muro com blocos de concreto pré-fabricados
Naquela época, ninguém sabia que os rolos de arame farpado se transformariam no símbolo supremo da Guerra Fria. Mas, quando os moradores de Berlim acordaram em 13 de agosto de 1961, policiais e soldados no setor soviético da cidade já haviam começado a bloquear as ruas e a fechar as vias de circulação com caminhões, tanques, tijolos e arame. Cidadãos perplexos observavam a cena impotentes, enquanto a cidade era dividida em duas partes.
A reação foi mais de confusão do que de indignação. Ninguém sabia quanto tempo o novo obstáculo duraria: os berlinenses haviam passado por muitas dificuldades nos 15 anos decorridos desde o final da guerra. Eles não tinham como saber que esta última surpresa acabaria dominando a cidade - e a atenção do mundo - durante os próximos 40 anos. O Muro de Berlim não nasceu de forma espetacular, mas sim com um suspiro de frustração.
Após quase 15 anos de tensão, o muro era visto como apenas mais um episódio de uma longa série de provocações soviéticas. Os berlinenses vivenciaram a traumática ocupação soviética, os anos de fome desesperadora após a guerra e um bloqueio soviético à cidade em 1948. Em 1953, as tropas soviéticas esmagaram uma revolta de trabalhadores em Berlim e em centenas de outras cidades menores na Alemanha Oriental, matando centenas de pessoas.
Após todos esses traumas, os berlinenses sentiram-se como peões no tabuleiro de xadrez da Guerra Fria. A cidade era administrada de acordo com o tratado assinado ao final da Segunda Guerra Mundial, que a dividiu em quatro setores. Na prática, os setores americano, francês e britânico formavam Berlim Ocidental, e o setor soviético era Berlim Oriental.
Impedindo ações de "criminosos"
A partir de 1958, o primeiro-ministro soviético Nikita Kruschev começou a pressionar os governos norte-americano, francês e britânico para deixarem a cidade. Eles formavam uma ilha no meio da Alemanha e tornaram-se um espinho cravado no flanco do bloco soviético. O presidente norte-americano John Fitzgerald Kennedy reagiu, deixando claro que os aliados ocidentais estavam compromissados com Berlim.
Temendo a situação precária, os berlinenses deslocaram-se em números cada vez maiores para o setor oeste. De 1949 a 1961, quase 2,5 milhões de alemães orientais fugiram para começar vida nova no setor oeste. A situação atingiu um ponto crítico em 1961. Apenas em julho, 30 mil alemães orientais mudaram-se para Berlim Ocidental.
Em 12 de agosto, a liderança alemã-oriental decidiu que tinha aguentado o suficiente. Às 16h, o líder da República Democrática Alemã, Walter Ulbricht, assinou a ordem de fechamento da fronteira. Em uma questão de horas, a cidade foi cercada de arame farpado e muros de tijolos toscamente construídos, uma barreira de 44 quilômetros que serpenteava pela cidade. A medida funcionou como um bloqueio invertido: em vez de lacrar os moradores de Berlim Ocidental dentro das suas fronteiras, a República Democrática Alemã estava impedindo o seu próprio povo de entrar na área ocidental. Oficialmente, o muro servia para proteger os alemães orientais dos males do capitalismo, para impedir "criminosos e indivíduos belicosos" de vitimizarem a nova nação. Mas, informalmente, ele foi uma tentativa drástica de salvar o Estado alemão oriental do colapso que seria provocado pela emigração.
Os efeitos foram dramáticos. Durante os próximos 38 anos, os berlinenses orientais foram proibidos de viajar ao setor oeste daquela que no passado fora a sua cidade. Naquela época, "Der Spiegel", criada em 1947, apelidou a barreira de "Muralha da China de Ulbricht", mas ela mais tarde ficaria famosa em todo o mundo como Muro de Berlim.
"A zona soviética foi transformada em um campo de concentração"
Fazendo uma retrospectiva, a construção do Muro de Berlim foi um dos acontecimentos mais famosos do século 20, a manifestação física de um mundo bipolar. Mas, à época, o arame farpado instalado ao longo da Brunnen Strasse e em frente ao Portão de Brandemburgo pareciam ser mais uma aposta em um jogo de poder. Pelo menos, como muitos disseram à época, nenhum tiro foi disparado - a sangrenta invasão da Hungria de 1956 ainda era uma memória forte. "Qualquer coisa, contanto que não haja uma Budapeste", disse aos repórteres o político berlinense ocidental Joachim Lipschitz, enquanto inspecionava as barreiras de arame farpado.
Na verdade, as palavras mais fortes foram dirigidas contra os aliados ocidentais da Alemanha. Dias depois da construção do muro - ou, conforme "Der Spiegel" disse na época, "88 horas após a zona soviética ter sido transformada em um campo de concentração" - 250 mil pessoas reuniram-se em Berlim Ocidental para protestar contra a reação "suave" das potências ocidentais. O embaixador britânico na Alemanha Ocidental visitou o setor leste da cidade após a construção do muro, aproveitando-se do acordo de divisão da cidade, que garantia aos cidadãos das quatro potências aliadas o direito de visitar livremente qualquer ponto de Berlim. Ao retornar, ele foi recebido com faixas acusatórias. "Traídos pelo Ocidente", "Onde estão as nossas potências defensoras?", "Será que o Ocidente não entende o que se passa?".
Antes de vir abaixo, 20 anos atrás, o Muro de Berlim acabaria sendo o pano de fundo para alguns dos discursos mais dramáticos e dos momentos mais carregados de emoção da Guerra Fria. Ele também custaria a vida de 136 pessoas que foram mortas ao tentar fugir para a zona ocidental.
Mas, em 13 de agosto de 1961, tudo isso ainda estava muito distante. Seriam necessários mais dois anos de indecisões diplomáticas para que John Fitzgerald Kennedy proferisse o seu famoso discurso "Ich bin ein Berliner". E, quando Reagan gritou, "Senhor Gorbachev, derrube este muro!", em 1987, o muro já não dizia respeito apenas a Berlim. Ele transformara-se em uma metáfora do comunismo e de todo o bloco soviético.
Tradução: UOL
DER SPIEGEL